"Arménio Matias - O senhor da neve
Freguesia de Vale Formoso, concelho da Covilhã.
O fato assenta-lhe como traje domingueiro. Na pista de esqui, Arménio Matias sente-se em dia de romaria - um pedaço de fé, outro de festa. Nasceu na serra da Estrela, ainda a neve mais arreliava do que divertia. Cruzou a infância que nem um príncipe, por entre os desvelos das quatro irmãs e o mau agoiro de nenhum varão ter vingado. Sempre que a madrinha lhes arranjava uma fazenda, as raparigas punham-se de joelhos. A mulher passava o lápis rente ao chão e logo anunciava:"Está tirada a medida."
Acostumados à dureza da terra, os pais suavam cansaços no campo. Arménio entretinha-se na aldeia. Sempre que os gaiatos mais velhos assomavam na rua, parava a ouvi-los. Encantava-se com as calças vincadas, as histórias de Lisboa. Somava 13 anos quando lhes seguiu a sorte, queria ser ajudante de merceeiro. Ao peso do primeiro caixote, encheu-se de arrependimentos.
Salvo o perfume das freguesas, as maravilhas da capital finavam-se no verbo dos rapazes. Uma manhã, para espreguiçar o cansaço, pousou as mercearias num muro: "As abelhas atacaram, tive de tirar o cinto e puxar a caixa com jeitinho." Nesse mesmo dia, pôs-se de volta a casa. O cheiro do lume nas paredes de pedra, a alvura da serra.
Quando chegou aos 17 anos, alistou-se na Marinha. Apontou bússola para Cabo Verde, jurou desembarcar no paraíso: "Em São Vicente encontrei as mulheres mais bonitas do mundo! Aquelas danças deixava qualquer um doido!" Perdia-se de amores na cadência da morna, da coladera. À tarde, ia a banhos à Laginha; à noite, cirandava pela praça do Mindelo. Chegou a ser apanhado no novelo da paródia, sem autorização de saída nem farda aprumada: "Deram-me 15 dias de castigo."
Em Vale Formoso, a vida continuava dura como as pedras da serra.
Arménio sonhava ver mundo, fez-se emigrante. Paris foi lição de espanto: "A primeira coisa que encontrei foi uma mulher a conduzir um camião e um homem ao volante com uma máquina de barbear. A gente cá nem sabia que isso existia!" Desembaraçava o francês dos bancos da escola, arranjou posto numa fábrica de província. Entre um bailarico e outro, uma francesa causou-lhe certa impressão. Aquele sorriso desconcertante tinha-o sem remédio, mas os pais não gostaram: "Só podia ir lá a casa ao sábado no final da tarde. E, ao domingo, podíamos dar uma voltinha." Casaram, já era tintureiro e ela enfermeira.
À noite, Arménio sonhava com a aldeia. A neve a assentar nos caminhos, a lareira a atear conversas. Um dia, pegou na mulher e voltou a Vale Formoso. Abriu uma fábrica de bolos, fez-se vendedor. Nas encostas da serra, uma amiga ensinou-lhe os prazeres da neve. De esquis calçados, descobriu outro sentir. Animava-o a ideia de pôr um país de sol a sorrir na neve. Rumou a Espanha, tirou curso de instrutor. Entretanto, entrou na política, ganhou o apoio do PSD. Já correram 20 anos, desde que chegou a presidente. A neve enche-lhe os dias: "Sou instrutor de VIP. Ainda à pouco, esteve cá o D. Duarte, a mulher e os meninos." Director do SkiParque de Manteigas e do Clube de Ski de Vale Formoso, tem atletas nas provas da Federação internacional. São viagens de aventura, sempre com a garrafa de vinho do Porto e ânsias de encetar baile. Quem o vê descer a pista, vaidoso no seu fato de esqui, já sabe: "Ali vem o presidente!" “